segunda-feira, 29 de abril de 2013

A hora e a vez da zona norte de SP em "Sangue Bom"


Globo aposta novamente em São Paulo para a novela das 7. Dessa vez acertou em cheio.

A estreia de “Sangue Bom” esteve cercada de expectativa. O fracasso do remake de “Guerra dos Sexos” – média geral de apenas 22 pontos – acendeu o sinal vermelho na emissora. Escrita por Maria Adelaide Amaral (outra especialista em São Paulo assim como Silvio de Abreu, o antecessor) e Vicent Villari, “Sangue Bom” acerta em cheio ao retratar uma São Paulo sem caricaturas (não há nenhuma Mooca para alguém falar “orra, meu!”) e com todas as suas nuances.

A novela é colorida e ágil graças à influência da urban art. Graffiti e flores convivem num abiente geralmente retratado pelo cinza. Sinceramente, não vi clichês da cidade. Talvez por retratar uma região pouco conhecida: a zona norte. Ambientada na Casa Verde (Villari nasceu e morou no bairro), no Jardim São Bento e em outros bairros como o Imirim e o Limão, a novela expõe as diferenças sociais de cada lugar. Uma Casa Verde simples, com características de bairro em que as pessoas ficam na rua e com seus barzinhos de música ao vivo. Há também uma escola de samba (a zona norte conentra o maior número de escolas na cidade), que foi despejada para dar lugar a um empreendimento imobiliário – a zona norte tem um dos maiores booms de crescimento residencial na cidade. Por outro lado, há o Jardim São Bento emergente, rico. Nada de Jardins e Mooca. A cultura urbana se fez presente ainda com o rap e o hip-hop: o rapper Emicida, natural da zona norte, fez uma participação num protesto durante o lançamento do empreendimento – aliás, bem chato, irreal, um flashmob mal feito.

Enquanto “Guerra dos Sexos” exagerou na caricatura e no humor infantil, “Sangue Bom” acerta o tom. O humor é irônico, sutil. Maria Adelaide é experiente no assunto e traz personagens caricatos, mas não esquisitos: a Bárbara Ellen de Giulia Gam promete ser o destaque da novela. As tiradas da atriz decadente que tenta a fama a qualquer custo vão virar memes nas redes sociais. Diz que está “cansada de dividir pinça e cremes com um metrossexual” quando está se separando do jovem Jonathan James, um garotão que enriqueceu as custas do casamento com a atriz. Convoca a imprensa para divulgar a separação e um dos filhos adotivos diz: “a mídia adora uma vítima”. O ponto máximo foi quando Bárbara fala da traição de Jonatan com Brunetty (Ellen Roche, perfeita para o papel): “eu quero ver a cara de cu...íca daqueles dois!”. Esses tipos estão aí, aos montes, despejados em sites e revistas. É uma crítica bem humorada, sem ser canhestra ou ofensiva.

O elenco de protagonistas é jovem e garante bons momentos. Sophie Charlotte (Amora, a itgirl, adotada por Bárbara) é fútil como a mãe, mas é o grande amor de Bento (Marco Pigossi), criados no mesmo orfanato na Casa Verde. Ele é pobre e ela está de casamento marcado com Maurício (Jayme Matarazzo). Giane (Isabelle Drummond) é a doce maloqueira, também apaixonada por Bento e criada no orfanato. Malu (Fernanda Vasconcellos) é apaixonada por Maurício, noivo da irmã Amora, já que é filha legítima de Bárbara – e é rejeitada. O rebelde Fabinho (Humberto Carrão) também vem do orfanato, mas foi para o interior onde vive com a mãe, outrora rica por causa do pai. Além desses, o elenco tem estrelas como Malu Mader, Letícia Sabatella, Marco Ricca, Herson Capri, Regiane Alves, Felipe Camargo, Yoná Magalhães, Daniel Dantas, Louise Cardoso, Deborah Evelyn, Ingrid Guimarães e Marisa Orth, voltando aos bons tempos de humor como a ex de Wilson (Marco Ricca). Como é possível ver, o elenco é grande: 64 personagens.

A trilha sonora consegue fazer um mix da atual São Paulo: samba, pagode, rap e hip-hop, dando voz aos guetos da cidade. No primeiro capítulo a trilha foi jogada aos ouvidos, sem miséria. A abertura fica por conta do fraco Sambô, com uma releitura de “Toda Forma de Amor”. Como não poderia deixar de ser, a abertura é colorida, com floriais, abusa dos grafismos e da modernidade para retratar um jovem conectado, cosmopolita, urbano.

O primeiro capítulo não mostrou todos os personagens e nem o potencial daqueles que podem fazer barulho, como a corintiana Giane. Foi ágil e tem fôlego para muito mais. Mas mostra que é possível ver uma São Paulo que vai além dos clichês Mooca e Jardins, que existe São Paulo além desses bairros. E eu, como morador da zona norte e nascido na Casa Verde, é um prato cheio. Segundo a prévia no Ibope, atingiu 26 pontos com picos de 28, abaixo da estreia de “Guerra dos Sexos” (28) e ainda abaixo da meta (30).

“Sangue Bom” não tem muitas pretensões. É um bom produto, mas parece que ainda falta alguma coisa. É tudo muito bonito, tudo lindo, como se todos os personagens vivessem em harmonia. Falta “sangue”, porque de “bom” já basta a zona norte.


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