Enquanto “Salve Jorge” se arrastou por sete meses sem
grandes reviravoltas, a estreia de “Amor à Vida” trouxe, em pouco mais de uma
hora e meia, muito mais do que a turma de Gloria Perez.
O começo acima pode parecer exagerado, mas ficou próximo
disso. A estreia de Walcyr Carrasco no horário das 9 começou muito bem. O
primeiro capítulo mostrou-se ágil, bem dirigido, com trilha e fotografia
voltando aos bons tempos de “Avenida Brasil” e abandonados em “Salve Jorge”. As
características de Walcyr Carrasco estão lá: um vilão marcante (Félix –
interpretado por Mateus Solano – já mostrou a que veio e muito me lembrou as
vilanias e ironias de Cristina – Flávia Alessandra em “Alma Gêmea”, claro que
cada um à sua época. Outros, mais saudosistas, dizem que Félix é uma versão de
Carminha de “Avenida Brasil”. Não por acaso, Félix é bissexual e mostrou um
arsenal de frases de efeito), uma história carregada no drama: Paloma (Paolla
Oliveira) é inconsequente, sofredora, abandona a família, é rejeitada pela mãe,
tem um irmão invejoso, tem um parto num local imundo, etc, etc, etc e um núcleo
de humor em torno de uma família (como não lembrar das famílias de “Chocolate
com Pimenta” e “O Cravo e a Rosa”?).
Destaco duas cenas de um capítulo longo: vagando por São
Paulo, Ninho (que veio para o Brasil com a ajuda de Félix depois de ser preso
por tráfico) e Paloma discutem em um bar, numa das melhores fotografias da
novela. Ele vai embora e Paloma tem a filha que espera dele num banheiro
imundo, num parto realizado com a ajuda de Márcia (Elisabeth Savalla). Aliás,
Paloma escondeu da família que estava grávida, mesmo vivendo sob o mesmo teto.
Um tanto fantasioso. No hospital San Magno, onde boa parte da trama vai se
passar, a cena do parto e morte de Luana (Gabriela Duarte) foi emocionante, com
trilha na medida e muito bem gravada. Além disso, as cenas em Machu Picchu no início
da novela também foram bem tratadas, com o conflito se estabelecendo logo nos
primeiros minutos: a mãe (Pilar, Suzana Vieira) rejeita a filha, o pai (César,
Antonio Fagundes) apoia a filha e causa inveja em Félix, que quer tirá-la do
caminho a todo custo e Edith (Bárbara Paz), a esposa complacente com Félix.
A fotografia de “Amor à Vida” é limpa, sem exageros, mas há
o retorno de uma câmera na mão constante, ágil, nervosa. Esqueçam as grandes
tomadas de paisagens e coisas convencionais. É uma fotografia moderna, com estilo
(sim, com um pé nos filmes e seriados). A trilha, que vai desde a música “Maravida”,
de Gonzaguinha interpretada toscamente por Daniel na abertura até Charlie Brown
Jr, reflete uma São Paulo pouco vista antes na tv: do jeito que ela é. Junto à
fotografia e direção de arte, a cidade é mostrada sem exageros ou caricaturas:
ali estão os bares e botecos sujos, as prostitutas da Augusta, o centro vazio
mas ao mesmo tempo belo, as luzes de neon nos bares... Nada de “cidade cinzenta”
ou “contemporânea” e “urbana” (como visto em “Sangue Bom, a das 7). Em “Amor à
Vida”, São Paulo se materializa na tela. Outro recurso interessante foi o uso
de uma câmera acoplada a Juliano Cazarré quando o personagem Ninho está no
aeroporto. O enquadramento permitiu captar todo o nervosismo do personagem.
Do elenco, Suzana Vieira e sua Pilar são mais do mesmo que a
atriz já fez na tv: uma mulher rica e impiedosa – lembra a Branca de “Por Amor”.
Mateus Solano (Félix) consegue provocar ódio (como quando abandona a filha de
Paloma no lixo) e riso (ao filho, Jonatan: “Meu dia está lotado para criança!
Se quiser, agenda!” ou à esposa: “Eu salguei a Santa Ceia, só pode ser!” ou à
tia: “Tá chamando seu irmão de touro, vão achar que você é a vaca!” ou pior,
quando chega no bar que Paloma teve a filha: “Brega!”). No mais, nada de mais.
Antonio Fagundes, Malvino Salvador, Juliano Cazarré, Bárbara Paz e Paola
Oliveira não comprometem, mas não se destacam. O primeiro capítulo ficou
inteiramente focado nesse núcleo, com apenas uma cena da família de Bruno. Uma
família grande e tipicamente paulistana: Eliane Giardini volta a viver uma
matriarca (Ordália, que lembra um pouco a Muricy de “Avenida Brasil, mas bem
mais branda), e o pai de Bruno, Fulvio Stefanini (Denizard), que carrega no
sotaque paulista, meu!
Walcyr Carrasco ainda mantém características no seu texto
que incomodam: às vezes são explicativos demais ou às vezes o recurso de “falar
o pensamento” não se faz mais necessário, quando Bruno encontra a criança
abandonada por Félix no lixo e exclana: “Deus me deu uma nova chance!”, forçando
a barra. Mas a direção de Wolf Maya é competente, dinâmica: as passagens de
tempo foram implícitas pelas cenas (quando mostrou Paloma grávida, ora experimentando
roupas, ora fazendo ultrassom), a fotografia e a trilha são um grande acerto e
a trama é verossímil numa história que não tem essa pretensão Ao contrário de
“Salve Jorge” que pedia uma trama realista (morro do Alemão e tráfico de
pessoas), mas totalmente mal concebida.
“Amor à Vida” estreou com 35 pontos (não consolidados) e
repete a estreia de “Salve Jorge”, mas ainda inferior a “Avenida Brasil” (37) e
“Fina Estampa” (41). O nome pode remeter a qualquer novela tosca do Manoel Carlos.
Mas Carrasco coloca todo o arsenal que consagrou suas novelas (só às 6, pois as
das 7 foram bem fracas) e aliada à direção de Wolf Maya, “Amor à Vida” tem tudo
para agradar. Menos a abertura, que apesar de contar com o desenhista americano
Ryan Woodward (de “Os Vingadores”), é toscamente interpretada por Daniel, mesmo
que tenha tudo a ver com o título (De amar, e amar e amar... Vida, vida, vida).
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